28/09/2010

Na escada rolante

Yi Jing Tsai

Cinco dias, quem diria? Cinco dias que o seu olhar cruzou o meu. O que mais me surpreendeu foi o fato de encontrá-lo em meio àquela multidão. Tantas pessoas para pousar minha visão e fitei-a justo em você.
Sempre procurei não me prender ao destino. A idéia de que as vidas já estão com seus finais traçados me assusta. Por esse motivo, eu aprecio o acaso. Este encontro, porém, deixou-me confusa: foi um acaso, mas queria que nossos destinos estivessem entrelaçados.
Idealizei como seria nosso futuro. Era difícil me imaginar envelhecendo com alguém, mas consegui nos visualizar com sessenta e quatro anos: eu lendo jornal e você vendo televisão. Eram pensamentos bons. De fato, seríamos ótimos velhinhos, daqueles que sempre têm históricas extraordinárias para contar.
Agora, estávamos mais perto. Nos aproximamos e pude reparar nos detalhes de sua camiseta e até no formato de sua sobrancelha. Não esbocei nenhuma feição, nem de tristeza e muito menos de contentamento. Você parecia estar em outro planeta, e o único contato com este mundo era o ocular. Seus fones de ouvido me intrigaram. Tentava adivinhar seu gosto musical e o que estava ouvindo, pelas batidas de dedos, que acompanhavam o ritmo da canção.
Ficaríamos lado a lado em questão de segundos. O coração palpitava forte e minha razão não sabia o porquê. Éramos desconhecidos, na iminência de um encontro usual, não tínhamos nenhum vínculo afetivo. Sentia-me com treze anos, de novo.
O momento chegou e nem sequer nos olhamos. Ambos trataram de desviar o campo de visão para o lado oposto, evitando qualquer contato. Não doeu, aliás, foi até um alívio. Afinal, paixão momentânea em escadas rolante não dura nem um verão.
Fui deixada no piso superior, enquanto você, no inferior. Meu olhar voltou a te seguir. Você foi ao encontro dos braços de outra menina. Observei a cena como se fosse uma falsa narradora onisciente, que diz saber tudo sobre os personagens, sem ao menos conhecê-los. Por fim, sorri, pois era tudo que poderia fazer.
Há quase uma semana que você faz parte da minha vida, como o protagonista de um romance em que sou uma mera coadjuvante. Já não vivo mais minha rotina. Meu passatempo, agora, é procurar, incessantemente, inspirações para a cena que sucede aquele abraço.
 
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