08/10/2010

Em potência

Nayara Matos

Desci do trem e as únicas pistas que eu tinha para tentar encontrar Karolina eram o telegrama que me enviara e seu perfume que eu trazia junto às minhas memórias. Haviam se passado alguns meses, eu sabia a exata conta desse tempo que, teimosamente, continuava a se erguer e a pesar sobre meu ombro, dia após dia. Suas cartas, escritas numa cadência adocicada pela distância, conformada pela espera e ainda amarga pela saudade, insistiam em me rodear. A porta estava repleta de bilhetes. Eu os recebia junto a cada correspondência. Eles causavam uma ansiedade tamanha. E a lágrima, aquela discreta e inevitável, tocava o pequeno pedaço de papel, como quem afaga uma mão, delicadamente.
Os telefonemas eram demorados, as emoções se misturavam ao ponto se serem uma só em todas. Mas sabe como é mãe né? Ah, Dona Karolina! Para ela , eu estava sempre com uma “vozinha triste”. Aí a gente desconversa e diz que “não, é só impressão, devo estar é cansada”. Não adianta, porque mãe não tem só impressão, elas sentem, sabem e ponto. Então eu me pergunto, por que eu não disse que sim, eu estava triste? Que a distância não era mais pura saudade? Aquela saudade que você sente, mas se conforma pela certeza de que vai encontrar aquele calor, aquele carinho ao fim do dia. Essa saudade se transformou em dor, essa dor que se sente quando a vida lhe obriga a enfrentar a distância, a angústia da incerteza do reencontro, o vazio de não poder sentir o abraço ao fim do dia.
A minha distância não, ela aumenta e corrói a cada dia. Então por quê? Por que eu sempre fugi de expor minha fraqueza, por que suprimi o choro ao telefone? Porque não disse que sofro sim por estar longe, e tem dias que parece que não vou aguentar, dias em que quero voltar para casa, sentir saudade só por uma tarde e poder matar essa saudade, vendo Dona Karolina chegar. Por quê?
No fundo eu sei. É porque a gente acha que nossa fortaleza será redentora do sofrimento do outro. Sei bem que se eu falasse a verdade, a deixaria mais preocupada e impotente pela distância. Porém, ao esconder a verdade, perdi a chance de mostrar o quanto seu amor era acalentador e o quanto era difícil viver sem seus abraços. Perdi a chance de ouvir sua voz doce me acalmar ao telefone, enquanto o choro me paralisava. Perdi a chance se sentir o equilíbrio de Dona Karolina me fortalecer. Eu não deixei de falar da saudade, mesmo que não tenha sido o suficiente.
Eu entendo o porquê do telegrama, ela sabia muito bem que, ao telefone, minha reação seria devastadora. O telegrama lhe daria tempo, e assim o fez. A cada minuto eu perdia mais a força que me manteve acordada até ali. Apesar da calma de suas palavras, a minha urgência era irremediavelmente, necessária, então parti no mesmo dia.
Não seria difícil localizá-la. Localizar a matéria, seu corpo frio estava fadado a um único lugar, e eu já conhecia. Difícil seria encontrar. Me encontrar com aquela nova forma de estar no mundo. Difícil seria encontrar o corpo frio pelo qual você daria a vida para reaquecer. Este encontro, sim, seria difícil. Me alimentei de lembranças, munida de seu perfume – que não mudara desde a minha infância- e ali percebi que estas eram as pistas para não haver uma última e dolorosa lembrança. Decidi que não precisava de um último encontro, pois o manancial redentor havia sido encontrado dentro da minha memória. Criei imagens novas a a partir de seu último telegrama e seu perfume, deixaria sua força me invadir a todo instante. Me eximi, ali, da obrigação do último encontro.
Todos sabiam que o chão se arrancaria sob meus pés cansados e desabaria um peso de não ter dito SIM. Sim, naquela ocasião eu estava mesmo triste, não era cansaço e o quão duro é suportar a distância e que me faço de forte porque preciso. Eu não notei que minha fragilidade se mostrava através das falhas na parede, construída por mim, numa desesperada tentativa de proteção. Ah, mas ela, ela sabia, sempre soube da minha angústia e agora fica claro o porquê do telegrama. Ela arriscou me dar o tempo da demora e da distância. Enfim, com as pistas que tinha, eu encontrei a potência ativa das lembranças que eu mesma escolhi para compor minha dor e minha saudade.



Um velho conhecido

Gyssele Mendes

Desci do trem e as únicas pistas que eu tinha para tentar encontrar K. eram o telegrama que me enviara e o seu perfume. Observo a estação e nada faz muito sentido, mas ainda assim me atenho ao que me coube: algumas palavras e o que exalavam.
Caminho despretenciosamente por entre aqueles que marcham rumo ao desgaste de seus trabalhos, suas famílias, suas vidas. Normalmente me incluo, mas hoje não. Hoje miro o desconhecido. Não o espero como todos os demais e como eu mesma em outros momentos. Eu o quero e faço dele o meu fim. Ele é o meu fim.
Entre esbarrões, tropeços e desculpas tão automáticas quanto as portas do trem, sigo na minha heterotopia solitária, confluência do “tudo” a minha volta. Procuro, mas não quero procurar, quero encontrar. Não é o acaso, porque mesmo o acaso tem o seu lugar no tempo. É outra coisa, sem nome. Sem projetos ou projeções ou qualquer resquício burguês que haja nessa minha cabeça estafada de mundo. Utópica e romântica. Eu sei, já me classificaram, mas não sei ser de outra forma. É assim que me insiro e sou inserida, é assim que me moldo e sou moldada. Jogo de mão dupla, não esqueçamos.
Estou aqui não pelo telegrama, mas pelo perfume. Não me esqueço de perfumes, me arrebatam mais do que palavras. Talvez seja esse meu fascínio pelo etéreo, pelo fluido, pelo inagarrável que me permite até neologismos, que me trouxe até aqui. Me engano, sabia? A minha busca se torna uma não-busca, ou talvez uma meta-busca. Na verdade, não há busca, exatamente como aquele telegrama dizia, o que muito me intrigou. Mas o perfume era incomparável. Doce na medida certa, envolvente sem medida alguma. Como pode?
Paro em lugar algum e espero. Marcamos em algum tempo, cada uma no seu, então não há marco, não há medida para isso. Me atrai um jogo sem regras, me deixa a impressão de que é possível um mundo paralelo. O meu mundo paralelo. Pode soar egoísta e talvez até seja, não me importo, eu só jogo. Poucos anos de mundo já me ensinaram isso. Tentei fazer diferente, tentei fugir, mas só encontro fugas em dias como o de hoje, onde tempo e espaço perdem seus sentidos pré-programados e passam a ser qualquer tempo e qualquer espaço, ou qualquer coisa que queiram ser.
Mas se não há tempo, não há espera. Não há busca, não há frustração, não há angústia. O que há, então? Ao menos cheguei ao meu fim, o desconhecido.


O dia seguinte

Zeliuto Gomes

Chamo-me Plínio de Arruda Sampaio e consigo acreditar que ainda estou vivo.
Vocês sabem, na minha idade emoções fortes matam. O que dizer então de tudo isso?
Em uma semana vimos a candidatura e a máscara do Serra desabarem. Vimos seu discurso da auto-vitimação se transformar na maior auto-denúncia da nossa história.
Agora todo sabem que quem quebrou o sigilo da filha do Serra foi o Aécio. Sabem, também, que a mesma filha, o genro e o vice dele administravam um complexo esquema de lavagem de dinheiro coordenado pelo próprio Serra.
Não escondo a satisfação de estar vivo para ver esse avanço de nossas instituições. Foi uma emoção forte mas duplamente perigosa, seja pelo esboço de uma conjuntura positivamente republicana, seja por ver o Serra finalmente desmascarado.
Enganam-se aqueles que pensam haver alguma alegria em mim pela morte da Dilma.
A carnificina midiática, intensificada ao absurdo nessas semanas, para mim foi um assassinato.
Os grandes complexos midiáticos discursaram mais sobre câncer nesses dias que nos dois últimos anos.
Falaram de todas as enzimas, de todos os processos físico-químicos conhecidos, supostos ou imagináveis.
Nenhum jornalista, contudo, especulou, nenhum especialista sugeriu a possibilidade de que alguém venha a desenvolver uma doença de forma tão fulminante, caso submetida ao linchamento moral e massacre psicológico aos quais Dilma fora exposta.
A violência foi tanta que o Temer, também atingido, lá está com morte cerebral após o derrame. O que Ignacio Ramonet chama de armas silenciosas aqui chega às vias de fato.
Após essa tragédia, a mídia acusa e condena a enzima. Repete à exaustão o nome e a origem da “enzima golpista”, ao tempo que conforta e afaga os órfãos da Dilma.
Quanto à Marina, até agora não sei o que dizer. Quisera que esse discurso fosse apenas um texto. Desses de pouco valor literário produzido por um estudante limitado numa tarde qualquer.
Quisera que tal manifestação do acaso fosse apenas uma pilhéria. Coisa de mau gosto.
Não consigo entender. Não posso aceitar.
Ontem, às dezoito horas, Marina estava eleita presidenta do Brasil; hoje, às duas da manhã, me acordam dizendo que sou o presidente.
Confesso a todos: não estava preparado e não estou. Não é uma questão de competência. Não é uma questão de medo. É uma questão de contingência.
É, sobretudo, um assombramento o processo que me trouxe até aqui!
Não foi a luta entre classes levada a termo. Não foi o despertar crítico das massas a partir de uma educação libertadora.
Estou aqui por uma sequência absurda de desfechos dramáticos.
Serei mais que franco. Quero dizer que não ousarei especular sobre forças ocultas ou superiores que possam estar me guiando. Não serei messiânico. Não tentarei iludi-los com atos mirabolantes, pirotécnicos ou populistas.
A verdade é que minha campanha era uma hipótese, um convite à reflexão, um apontamento de utopia.
Nunca coube em nossas previsões que câncer, derrame, prisões e acidentes nos colocariam aqui! O processo histórico capaz de viabilizar nosso projeto não cabe nesse momento.
Por isso só nos resta, a mim e a meu vice, renunciarmos.
Espero, apenas, que o próximo da lista não venha no mesmo avião com seu vice.


04/10/2010

O dia seguinte

Matheus Marins Alvares

Chamo-me Dilma Rousseff e acaba de sair o resultado da eleição. O salão principal está repleto de paletós e falsos risos vadios. A imprensa se retirou e a festa começa quando o primeiro terno vai pelos ares. Vejo então um companheiro, aliado dos últimos tempos. Aliado político, digo. “É tudo nosso!”, gritam. E tem início uma chuva de roupas. Reconheço um a um os alicerces da campanha. Agora todos mais à vontade, desnudos, crus, desvencilhados de etiqueta, bárbaros, selvagens, desumanos humanos. Corro ao espelho e, por há muito ter aprendido a me ver na terceira pessoa, flagro tudo dobrado, sem saber o que percebia. A roupa sob medida, o broche de outro no lugar do coração ou o laquê me endurecendo o cabelo, os gestos, os sentimentos e a vida? Havia pupilas dilatadas e a cara cheia de pó branco. “Puta vadia! vem cá!” Lavo o rosto. “Ele é meu parceiro.” Tudo desce pelo ralo. “A gente facilita umas pra vocês.” Incontrolável. “Cadê o pó?” Vozes se misturando. Agora já está feito e não se volta atrás. Descendo pelas escadas da mansão, há whisky, vodka importada, cocaína, whisky, conhaque, erva jamaicana. Vodka importada para boa relação com o esterior. Mais um pouco de pé dos vizinhos colombianos & do mercado interno, pra valorizar o produto. E tudo vai se repetindo assim, agressivamente. Subitamente reconheço: há um ponto vermelho que vai se inflando e inflando e se aproxima. Ninguém reparou, mas agora parece um balão a ponto de estourar. Avisto o número 13 pintado na lateral e penso: cuidar da inflação, PIB, alianças etc e tal. Ou não. Nada aqui terá seus moldes arrumados por minhas mãos. Os trabalhadores de poder real estão em volta. Apenas manter a aparência, penso. Um pouco de pé deve ajudar, mas não existe maquiador aqui agora. Apenas tudo exposto. Exposto até por demais. Ministros desaparecendo em viciantes desertos brancos, jovens mulheres abraçadas a peças influentes do partido, depois montando, dançando, se despindo sobre eles. Armaram a festa na mansão. Os rivais políticos não poderiam aparecer. Hoje, nem amanhã e nem depois. O que foi que eu fiz? Tudo ficou assim abatido com toda a confusão do período eleitoral. E eu, que tanto corri, deixei para trás algo de tanta importância neste último passo. Como voltaria a minha vida ao lado do meu companheiro, se é preciso manter tanta aparência perante esse grande balão vermelho? Não se pode voltar atrás, recusar a verba da companhia. Por outro lado, como seguir adiante num caminho tão embolado para não se fazer entendido? Dúvida existencial da primeira presidente do país. Sei que sempre estarei pensando nele. Nas viagens, congressos, entrevistas, discursos, por trás da imagem de pedra feita estátua, lembrarei invariavelmente do meu fiel, primeiro e único grande amor, José Serra.


Parti ao teu encontro

Ana Carolina Martins

A tarde de domingo foi fundamental para minha decisão. Fazia algum tempo que eu amadurecia a idéia de corre atrás do que é meu. Inevitavelmente e intransferivelmente meu.
Aos poucos fui percebendo que a pergunta, antes feita de forma esporádica, hoje era algo latente, virando uma questão central na minha vida. A minha percepção de mundo não era mais a mesma. Faltava traçar um caminho que, toda vez que me olhava no espelho, sentia falta de percorrer. Definitivamente aquela tarde de domingo foi decisiva, quando tudo se esclareceu e o “start” foi dado. Tomei coragem em meio aos programas sofríveis que são transmitidos. Diante de tantas histórias ruins, exploradas por apresentadores sensacionalistas, eu preferi ficar com a minha e fazer dela uma história de amor; bonita, sólida e real. Eu tinha certeza de que seria marcada pelo trajeto e, caso houvesse um final feliz, melhor. Mas a minha paz não dependia do sorriso da chegada, mas do suor do caminho.
A importância de percorrer é grande, faz parte do processo de perdão pelo abandono. A necessidade de traçar uma espécie de “Caminho de Santiago” para digerir a escolha de ser deixada para trás. Dói ser deixado. Não é bom, deixa marcas. E é pela vontade resolver essas marcas que eu preciso partir.
Por muito tempo fingi que o fato de ser preterida não mexia comigo. Mas hoje, depois de tantos anos, tantas pessoas ao meu redor que me amaram, que me amam e são mais presentes e atuantes na minha vida e me ajudaram a compor o que eu sou, me motivando de inúmeras maneiras a ir atrás do meu objetivo e hoje meu objetivo é a minha essência.
O domingo de sol chegou. Sempre soube que esse dia ia chegar, a vontade de buscar parte da minha vida que foi levada quando escolhas foram tomadas. Já não posso esperar sequer outro domingo, seja ele de calor ou de frio, a urgência me consome e me faz querer correr.
Quero ver meus traços em outra pessoa e poder me reconhecer. Saber se o meu sorriso largo vem de alguém, a mania de coçar a cabeça e o medo de altura veio no pacote de DNA. Quero poder me ver em outros.
O cansaço de uma história cheia de buracos faz o sono desaparecer à noite, unhas serem ruídas e chocolates devorados. Chega de uma ansiedade que só tem um jeito de acabar; conhecendo o que os outros chamam de pais biológicos.
Ser adotada nunca foi um problema para mim. Sempre me senti parte de uma família, um núcleo que me deu uma base sólida. Talvez seja essa força que me move e faz com que eu corra atrás de tudo que se apresenta de forma obscura e mal revelada.
Encontrar os pais biológicos faz parte da minha inquietude, muito justa por sinal. Mas a procura por eles é o que vai me fazer redescobrir a mim mesma, mostrando quais são os lugares dos novos pensamentos, os motivos dos desconfortos e fazer do processo de crescimento um processo em movimento.
A cada novo pensamento, uma ressignificação para as coisas. Ainda falta aprender lidar com o novo eu que surgiu a partir de uma decisão. Uma nova mente no mesmo corpo precisa de adaptações e tempo para se encaixar, formando uma alma plena da qual eu me sinto sem nesse momento.
Assim que o sol baixar e todos da família que eu aprendi a amar, e que me deram muitos motivos para isso, chegarem até a minha casa, um lar que me satisfez por tanto tempo, tomarei a importante decisão de comunicar que aquilo tudo não me basta e que eu preciso buscar as lacunas que sinto.
Pegarei as cartas que nunca quis ler, enviadas anos atrás pela minha mãe biológica para a minha mãe de Verdade, e partirei ao meu encontro.


02/10/2010

No Rio Itchen tudo voltará ao normal

Júlia Robadey

Desci do trem e as únicas pistas para tentar achar K. eram o telegrama que me enviara e o seu perfume. Estava tensa por não conhecer bem o lugar e ansiosa para que estivesse tudo certo com ele.
Era uma bela cidade com edifícios vitorianos e georgianos, árvores frondosas e ruas estreitas que a faziam permanecer com uma atmosfera medieval. Além disso, o inverno a envolvia numa fina camada de neve. Sempre sonhamos em morar em Winchester. Ele para ficar perto do que mais adorava, a história que existia ali, e eu pela Jane Austen.
Não entendia por que K. fora embora. Ele prometeu que nunca me deixaria sozinha. E lá estava eu, à procura do homem mais sonhador do mundo. Hipérbole à parte, tinha medo do que pudesse ter acontecido.
No telegrama ele falava sobre liberdade, que sentia minha falta e que, para tudo ficar como antes, ele precisava pôr um ponto final em algo. “No Rio Itchen tudo voltará ao seu normal”, ele disse. Não entendi muito bem. O telegrama todo não fazia sentido na verdade, mas já sabia onde procurar. Rio Itchen... Só havia um problema. O rio cortava toda a cidade. Por que ele facilitaria as coisas, não é?
Peguei um táxi e expliquei a situação para o motorista. Ele foi muito compreensivo, mas perguntou por que eu não alugava um carro. Eu já não sabia dirigir normalmente, imagina tentar fazer isso do lado errado! Simplesmente sorri e balancei a cabeça negativamente. Acho que ele entendeu o que eu quis dizer e permaneceu em silêncio durante toda a procura.
A noite começava a surgir. Enquanto a neve caia delicadamente, percebi que era a primeira vez que a via. Estava hipnotizada. Até que eu o vi. Com um belo sobretudo preto e uma touca colorida. Só ele para usar aquela touca tão ridícula. Estava segurando um vaso. Tudo fez sentido.
Desde que Ana falecera, ele perdera o chão. Exatamente naquela noite fazia um ano. Ela sempre ria quando falávamos que nos mudaríamos para Winchester. Dizia que não saberia lidar com o frio e que tinha medo de não se adaptar. Ele ria e falava que cuidaria dela, como sempre.
Meus pais se conheceram no colégio e estavam juntos desde aquela época. Minha mãe faleceu num acidente de carro. Meu pai se culpava, dizia que se ele tivesse ido buscá-la como sempre fazia, ela ainda estaria conosco. Eu sabia que não era culpa dele. Mas falar isso para ele era como falar para uma porta que a culpa não era dela de prender o nosso dedo. Enfim, ele não aceitava.
Saí do táxi e fui ao seu encontro. Ele segurava a urna com todas as suas forças. Mantive-me ao seu lado. Ele sorriu enquanto olhava para o lago. Disse que estava feliz por tê-lo encontrado. Encostei a minha cabeça em seu ombro e perguntei:
- Você acha que ela vai agüentar o frio?
- Claro! Ela ficava linda quando era inverno. Ela vai ficar linda aqui. – ele disse.
Jogamos suas cinzas no rio. Não sabíamos se aquilo era permitido, mas não ligávamos. Era um lugar bonito para aquilo e num momento mágico. Fomos para o hotel onde meu pai estava hospedado. Conversamos sobre os últimos acontecimentos. Concordamos que a cidade era exatamente como havíamos sonhado. Talvez nos mudaríamos para lá, realizaríamos os nossos sonhos. E ficaríamos todos juntos como sempre.


 
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