08/10/2010


Um velho conhecido

Gyssele Mendes

Desci do trem e as únicas pistas que eu tinha para tentar encontrar K. eram o telegrama que me enviara e o seu perfume. Observo a estação e nada faz muito sentido, mas ainda assim me atenho ao que me coube: algumas palavras e o que exalavam.
Caminho despretenciosamente por entre aqueles que marcham rumo ao desgaste de seus trabalhos, suas famílias, suas vidas. Normalmente me incluo, mas hoje não. Hoje miro o desconhecido. Não o espero como todos os demais e como eu mesma em outros momentos. Eu o quero e faço dele o meu fim. Ele é o meu fim.
Entre esbarrões, tropeços e desculpas tão automáticas quanto as portas do trem, sigo na minha heterotopia solitária, confluência do “tudo” a minha volta. Procuro, mas não quero procurar, quero encontrar. Não é o acaso, porque mesmo o acaso tem o seu lugar no tempo. É outra coisa, sem nome. Sem projetos ou projeções ou qualquer resquício burguês que haja nessa minha cabeça estafada de mundo. Utópica e romântica. Eu sei, já me classificaram, mas não sei ser de outra forma. É assim que me insiro e sou inserida, é assim que me moldo e sou moldada. Jogo de mão dupla, não esqueçamos.
Estou aqui não pelo telegrama, mas pelo perfume. Não me esqueço de perfumes, me arrebatam mais do que palavras. Talvez seja esse meu fascínio pelo etéreo, pelo fluido, pelo inagarrável que me permite até neologismos, que me trouxe até aqui. Me engano, sabia? A minha busca se torna uma não-busca, ou talvez uma meta-busca. Na verdade, não há busca, exatamente como aquele telegrama dizia, o que muito me intrigou. Mas o perfume era incomparável. Doce na medida certa, envolvente sem medida alguma. Como pode?
Paro em lugar algum e espero. Marcamos em algum tempo, cada uma no seu, então não há marco, não há medida para isso. Me atrai um jogo sem regras, me deixa a impressão de que é possível um mundo paralelo. O meu mundo paralelo. Pode soar egoísta e talvez até seja, não me importo, eu só jogo. Poucos anos de mundo já me ensinaram isso. Tentei fazer diferente, tentei fugir, mas só encontro fugas em dias como o de hoje, onde tempo e espaço perdem seus sentidos pré-programados e passam a ser qualquer tempo e qualquer espaço, ou qualquer coisa que queiram ser.
Mas se não há tempo, não há espera. Não há busca, não há frustração, não há angústia. O que há, então? Ao menos cheguei ao meu fim, o desconhecido.


 
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