08/10/2010

O dia seguinte

Zeliuto Gomes

Chamo-me Plínio de Arruda Sampaio e consigo acreditar que ainda estou vivo.
Vocês sabem, na minha idade emoções fortes matam. O que dizer então de tudo isso?
Em uma semana vimos a candidatura e a máscara do Serra desabarem. Vimos seu discurso da auto-vitimação se transformar na maior auto-denúncia da nossa história.
Agora todo sabem que quem quebrou o sigilo da filha do Serra foi o Aécio. Sabem, também, que a mesma filha, o genro e o vice dele administravam um complexo esquema de lavagem de dinheiro coordenado pelo próprio Serra.
Não escondo a satisfação de estar vivo para ver esse avanço de nossas instituições. Foi uma emoção forte mas duplamente perigosa, seja pelo esboço de uma conjuntura positivamente republicana, seja por ver o Serra finalmente desmascarado.
Enganam-se aqueles que pensam haver alguma alegria em mim pela morte da Dilma.
A carnificina midiática, intensificada ao absurdo nessas semanas, para mim foi um assassinato.
Os grandes complexos midiáticos discursaram mais sobre câncer nesses dias que nos dois últimos anos.
Falaram de todas as enzimas, de todos os processos físico-químicos conhecidos, supostos ou imagináveis.
Nenhum jornalista, contudo, especulou, nenhum especialista sugeriu a possibilidade de que alguém venha a desenvolver uma doença de forma tão fulminante, caso submetida ao linchamento moral e massacre psicológico aos quais Dilma fora exposta.
A violência foi tanta que o Temer, também atingido, lá está com morte cerebral após o derrame. O que Ignacio Ramonet chama de armas silenciosas aqui chega às vias de fato.
Após essa tragédia, a mídia acusa e condena a enzima. Repete à exaustão o nome e a origem da “enzima golpista”, ao tempo que conforta e afaga os órfãos da Dilma.
Quanto à Marina, até agora não sei o que dizer. Quisera que esse discurso fosse apenas um texto. Desses de pouco valor literário produzido por um estudante limitado numa tarde qualquer.
Quisera que tal manifestação do acaso fosse apenas uma pilhéria. Coisa de mau gosto.
Não consigo entender. Não posso aceitar.
Ontem, às dezoito horas, Marina estava eleita presidenta do Brasil; hoje, às duas da manhã, me acordam dizendo que sou o presidente.
Confesso a todos: não estava preparado e não estou. Não é uma questão de competência. Não é uma questão de medo. É uma questão de contingência.
É, sobretudo, um assombramento o processo que me trouxe até aqui!
Não foi a luta entre classes levada a termo. Não foi o despertar crítico das massas a partir de uma educação libertadora.
Estou aqui por uma sequência absurda de desfechos dramáticos.
Serei mais que franco. Quero dizer que não ousarei especular sobre forças ocultas ou superiores que possam estar me guiando. Não serei messiânico. Não tentarei iludi-los com atos mirabolantes, pirotécnicos ou populistas.
A verdade é que minha campanha era uma hipótese, um convite à reflexão, um apontamento de utopia.
Nunca coube em nossas previsões que câncer, derrame, prisões e acidentes nos colocariam aqui! O processo histórico capaz de viabilizar nosso projeto não cabe nesse momento.
Por isso só nos resta, a mim e a meu vice, renunciarmos.
Espero, apenas, que o próximo da lista não venha no mesmo avião com seu vice.


 
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