02/10/2010

No Rio Itchen tudo voltará ao normal

Júlia Robadey

Desci do trem e as únicas pistas para tentar achar K. eram o telegrama que me enviara e o seu perfume. Estava tensa por não conhecer bem o lugar e ansiosa para que estivesse tudo certo com ele.
Era uma bela cidade com edifícios vitorianos e georgianos, árvores frondosas e ruas estreitas que a faziam permanecer com uma atmosfera medieval. Além disso, o inverno a envolvia numa fina camada de neve. Sempre sonhamos em morar em Winchester. Ele para ficar perto do que mais adorava, a história que existia ali, e eu pela Jane Austen.
Não entendia por que K. fora embora. Ele prometeu que nunca me deixaria sozinha. E lá estava eu, à procura do homem mais sonhador do mundo. Hipérbole à parte, tinha medo do que pudesse ter acontecido.
No telegrama ele falava sobre liberdade, que sentia minha falta e que, para tudo ficar como antes, ele precisava pôr um ponto final em algo. “No Rio Itchen tudo voltará ao seu normal”, ele disse. Não entendi muito bem. O telegrama todo não fazia sentido na verdade, mas já sabia onde procurar. Rio Itchen... Só havia um problema. O rio cortava toda a cidade. Por que ele facilitaria as coisas, não é?
Peguei um táxi e expliquei a situação para o motorista. Ele foi muito compreensivo, mas perguntou por que eu não alugava um carro. Eu já não sabia dirigir normalmente, imagina tentar fazer isso do lado errado! Simplesmente sorri e balancei a cabeça negativamente. Acho que ele entendeu o que eu quis dizer e permaneceu em silêncio durante toda a procura.
A noite começava a surgir. Enquanto a neve caia delicadamente, percebi que era a primeira vez que a via. Estava hipnotizada. Até que eu o vi. Com um belo sobretudo preto e uma touca colorida. Só ele para usar aquela touca tão ridícula. Estava segurando um vaso. Tudo fez sentido.
Desde que Ana falecera, ele perdera o chão. Exatamente naquela noite fazia um ano. Ela sempre ria quando falávamos que nos mudaríamos para Winchester. Dizia que não saberia lidar com o frio e que tinha medo de não se adaptar. Ele ria e falava que cuidaria dela, como sempre.
Meus pais se conheceram no colégio e estavam juntos desde aquela época. Minha mãe faleceu num acidente de carro. Meu pai se culpava, dizia que se ele tivesse ido buscá-la como sempre fazia, ela ainda estaria conosco. Eu sabia que não era culpa dele. Mas falar isso para ele era como falar para uma porta que a culpa não era dela de prender o nosso dedo. Enfim, ele não aceitava.
Saí do táxi e fui ao seu encontro. Ele segurava a urna com todas as suas forças. Mantive-me ao seu lado. Ele sorriu enquanto olhava para o lago. Disse que estava feliz por tê-lo encontrado. Encostei a minha cabeça em seu ombro e perguntei:
- Você acha que ela vai agüentar o frio?
- Claro! Ela ficava linda quando era inverno. Ela vai ficar linda aqui. – ele disse.
Jogamos suas cinzas no rio. Não sabíamos se aquilo era permitido, mas não ligávamos. Era um lugar bonito para aquilo e num momento mágico. Fomos para o hotel onde meu pai estava hospedado. Conversamos sobre os últimos acontecimentos. Concordamos que a cidade era exatamente como havíamos sonhado. Talvez nos mudaríamos para lá, realizaríamos os nossos sonhos. E ficaríamos todos juntos como sempre.


 
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