04/10/2010

Parti ao teu encontro

Ana Carolina Martins

A tarde de domingo foi fundamental para minha decisão. Fazia algum tempo que eu amadurecia a idéia de corre atrás do que é meu. Inevitavelmente e intransferivelmente meu.
Aos poucos fui percebendo que a pergunta, antes feita de forma esporádica, hoje era algo latente, virando uma questão central na minha vida. A minha percepção de mundo não era mais a mesma. Faltava traçar um caminho que, toda vez que me olhava no espelho, sentia falta de percorrer. Definitivamente aquela tarde de domingo foi decisiva, quando tudo se esclareceu e o “start” foi dado. Tomei coragem em meio aos programas sofríveis que são transmitidos. Diante de tantas histórias ruins, exploradas por apresentadores sensacionalistas, eu preferi ficar com a minha e fazer dela uma história de amor; bonita, sólida e real. Eu tinha certeza de que seria marcada pelo trajeto e, caso houvesse um final feliz, melhor. Mas a minha paz não dependia do sorriso da chegada, mas do suor do caminho.
A importância de percorrer é grande, faz parte do processo de perdão pelo abandono. A necessidade de traçar uma espécie de “Caminho de Santiago” para digerir a escolha de ser deixada para trás. Dói ser deixado. Não é bom, deixa marcas. E é pela vontade resolver essas marcas que eu preciso partir.
Por muito tempo fingi que o fato de ser preterida não mexia comigo. Mas hoje, depois de tantos anos, tantas pessoas ao meu redor que me amaram, que me amam e são mais presentes e atuantes na minha vida e me ajudaram a compor o que eu sou, me motivando de inúmeras maneiras a ir atrás do meu objetivo e hoje meu objetivo é a minha essência.
O domingo de sol chegou. Sempre soube que esse dia ia chegar, a vontade de buscar parte da minha vida que foi levada quando escolhas foram tomadas. Já não posso esperar sequer outro domingo, seja ele de calor ou de frio, a urgência me consome e me faz querer correr.
Quero ver meus traços em outra pessoa e poder me reconhecer. Saber se o meu sorriso largo vem de alguém, a mania de coçar a cabeça e o medo de altura veio no pacote de DNA. Quero poder me ver em outros.
O cansaço de uma história cheia de buracos faz o sono desaparecer à noite, unhas serem ruídas e chocolates devorados. Chega de uma ansiedade que só tem um jeito de acabar; conhecendo o que os outros chamam de pais biológicos.
Ser adotada nunca foi um problema para mim. Sempre me senti parte de uma família, um núcleo que me deu uma base sólida. Talvez seja essa força que me move e faz com que eu corra atrás de tudo que se apresenta de forma obscura e mal revelada.
Encontrar os pais biológicos faz parte da minha inquietude, muito justa por sinal. Mas a procura por eles é o que vai me fazer redescobrir a mim mesma, mostrando quais são os lugares dos novos pensamentos, os motivos dos desconfortos e fazer do processo de crescimento um processo em movimento.
A cada novo pensamento, uma ressignificação para as coisas. Ainda falta aprender lidar com o novo eu que surgiu a partir de uma decisão. Uma nova mente no mesmo corpo precisa de adaptações e tempo para se encaixar, formando uma alma plena da qual eu me sinto sem nesse momento.
Assim que o sol baixar e todos da família que eu aprendi a amar, e que me deram muitos motivos para isso, chegarem até a minha casa, um lar que me satisfez por tanto tempo, tomarei a importante decisão de comunicar que aquilo tudo não me basta e que eu preciso buscar as lacunas que sinto.
Pegarei as cartas que nunca quis ler, enviadas anos atrás pela minha mãe biológica para a minha mãe de Verdade, e partirei ao meu encontro.


 
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