28/09/2010

Por acreditar que outros dias virão

Érika Xavier

O despertador tocou às oito da manhã. Não pensei duas vezes: apertei, quase involuntariamente, o botão vermelho. Naquele dia, eu me permiti dormir até acordar, achei que era merecido. Além de um período intenso de campanha nas costas, sentia também a conseqüência das cervejas madrugadeiras que dividi com os companheiros. A motivação dos brindes estava longe de ser o momento inédito pelo qual o país passava. A vitória da estrela rúbia, que carrega nas pontas vários outros ícones, me dava uma agústia tremenda. Aqueles em quem um dia depositei esperanças e até sonhos, diria, hoje vejo do outro lado de uma ponte engarrafada. Decepção. Mas os vejo. Os reparo. Sei onde estão e o que querem. Mais do que isso: sei o que quero.
Quatro de outubro de 2010: dia de ressaca, reflexão e alguma satisfação. O partido dos punhos firmes e das bandeiras que gritam e incomodam mostrou que, por trás da baixa porcentagem, existem homens de consciência e luta, além de uma juventude linda e plural. Vi, durante todo esse tempo, meninos e meninas com brilho nos olhos e sangue nas veias. A cada encontro, uma nostalgia pelos tempos idos e uma enorme gratidão pela mensagem que estava sendo abraçada- esse é o mais belo legado de um homem, acredito. Sabe, ando na rua como qualquer cidadão, e os respeito, ainda que vizinhos me olhem como quem observa alguém prestes a cometer algo fora da lei: fagulhas de tamanha hipocrisia num país onde tudo é da lei. Quando os ponteiros chegaram ao meio-dia, então, abri mão do conforto da cama. Sentia meu corpo moldado no colchão e isso já estava me incomodando. Desci, acendi um cigarro, pisei em incontáveis panfletos que ainda marcavam as ruas da cidade. Terrível. Deputados que talvez outras pessoas achem graça, mas que a mim embrulham o estômago. Comprei uma Coca (apesar dos pesares, cai muito bem num dia pós-bebedeira) e paguei ao seu Zé, meu xará, que sorriu de um jeito carente e me cobrou a biriba que prometo há anos. Antes de ir embora, perguntei: “E então, Zé, satisfeito com o resultado?”. Tive como resposta: “Pra mim tá bom. Esse país precisava mesmo de uma mulher pra ver se toma jeito. Só podia ser mais agraciada., riu. Aquilo me soou como um reflexo da “mãe do Brasil”, imagem que Dilma arquitetou cautelosamente na mídia. A mesma mídia que me citava, apenas, e com estranheza. Concessão pública que dita modelos, cria e abafa candidatos, assim, às luzes. Vejo que as pessoas já naturalizaram essa construção e, às vezes, me pego pensando que, mais do que comida, o Brasil precisa de senso crítico; precisa enxergar e canalizar as coisas no mundo. A inércia, para mim, é nada; e o povo, adormentado e adormecido, marionetes que podem, sim, arrancar as linhas que as guiam e que estão presas e conduzidas por mãos com nome e sobrenome. Sei quem são. Continuo a luta e não estou só.


 
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